Deixa quieto

Deixa Quieto

Van de Oliveira Grogue entrou no completamente lotado bar do Bafão, naquela quarta-feira, logo pela manhã e, observando que o ambiente bem calmo não demonstrava haver sequer comentário sobre a invasão e o saque de Brasília no dia 08 de janeiro, foi logo dizendo em voz alta para que todos ouvissem:

– Teve nego preso nas dependências da policia federal que, por celular, dizia não saber dos motivos de estar ali detido.  Meu… Os caras aprontaram horrores, invadiram propriedades da república, destruíram o que viram pela frente, foram presos em flagrante delito e ainda não sabiam por que estavam naquela situação?

Os que bebiam cerveja e conversavam interromperam o que faziam, voltaram-se para a porta de entrada e reconhecendo no recém chegado um parceiro de longa data, arrefeceram  qualquer tipo de reação defensiva que pudessem ter. Então Van de Oliveira continuou:

– Será que fizeram tudo aquilo no estado de sonambulismo? Como milhares de pessoas poderiam agir nessa semi-consciência ou inconsciência ao mesmo tempo? Isso me faz lembrar de fato histórico semelhante: O fim do império romano se deu com a somatória de diversos fatores, mas dentre eles a chamada pressão exercida pelos povos que não vivenciavam a cultura Greco-romana foi mais decisiva.

Pigarreando e respirando fundo Grogue, com aquela pose de professor diretor de escola secundária interiorana continuou:

– Realmente em 410 Roma foi invadida e saqueada pelos visigodos um povo, dentre outros, bárbaro que desconhecendo os princípios e cultura vigentes naquela época causaram muitos transtornos e perturbações até quando Santo Isidoro, conhecido como bispo de Sevilha, filho de Severiano e Teodora, irmão mais novo de Leandro, Fiorentina e Severiano, cristianizou um imperador visigodo. Este ato considerado relevante, somado a todos os outros culminaram, em 476, com a deposição de Rômulo Augusto, o ultimo imperador romano. Começava aí a Idade Media.

Parando para respirar e meio chateado por não ter a atenção da maioria dos frequentadores, ele pediu uma cerveja.

Servido por Bafão, Grogue continuou:

– Você sabe que a história de Roma impressionou tanto, mas tanto muitas mentes que na década de 1930, na Itália, o partido fascista representado por Benito Mussolini queria reviver toda aquela glória. As ideias fascistas foram importadas por cidadãos tupinambiquences que queriam fazer aqui o mesmo que acontecera lá na Europa naquele tempo. Mas voltando, ao Santo Izidoro: quando meu irmão Jarbas estava no ginásio, teve um colega de classe também chamado Isidoro, que não era nem um pouco santo, mas torcedor fanático do time italiano Fiorentina, de Florença.  Isidoro fazia questão de sentar-se às costas, na carteira vizinha, do meu irmão Jarbas. O Isidoro perturbava de tal forma o Jarbas que este não tinha como aprender ou assimilar os ensinamentos das professoras, sendo consequentemente reprovado em quase todas as matérias, tendo com isso de abandonar a escola.

A filha do Bafão vendo que Grogue já monopolizava as atenções ligou a TV de 50 polegadas fixada no alto de uma parede.

O assunto da transmissão naquele momento era o esporte.

Então Grogue continuou a resenha:

– Parece que Isidoro tinha um problema de vingança contra um parente seu que ocupara gratuitamente, por vinte anos, um imóvel da família. Isidoro inconformado queria ao menos receber um aluguel qualquer que fosse. Mas como não tinha como satisfazer-se pretendeu vingar-se, até a morte, do seu parente “sem teto” e de toda a família.

Ninguém, naquele momento, no boteco lotado falava nada. O silencio só era quebrado pelo som da TV que relatava fatos da Seleção Brasileira.  

Ingerindo o último gole do seu copo, Grogue seguiu para o fim do tololó:

– Isidoro só percebeu a fria em que entrara ao aceitar perseguir e maldizer Jarbas por tanto tempo e em tantos lugares, quando, uma notícia vinda por telefone cientificava-o que seu pai, semanas antes, internado no hospital, para uma cirurgia de coração falecera.

– Morreu na mesa – dissera aquela voz feminina tenebrosa e amedrontadora.

Revisei o texto em 01/02/23.    

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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