Entre e o direito e a justiça

Entre o direito e a justiça

O metalúrgico Joseph Sabinowsky estava quase se aposentando. Já cumprira o tempo de contribuições necessárias, que lhe davam esse direito, junto à instituição do seguro social.

Ele passava a maior parte dos seus dias mais solto que arroz da vovó e sossegado igual a gato velho dormente em sacaria de armazém. Sem a premência ou preocupação com o que fazer para garantir o sustento da família ele agora andava livre, leve e solto.

Numa tarde de sábado Joseph resolveu passear pela praça central da cidade. Antes ele passou pela barbearia do vizinho para dizer-lhe um “boa tarde”. Mas quando viu que a cadeira do freguês era ocupada pelo filho Pimentoe do funileiro do bairro, resolveu esperar o término dos trabalhos, parando defronte ao estabelecimento.

– Tirando aquela capa que cobre o corpo do cliente e passando a escova pela cabeça do freguês o barbeiro perguntou quando o moço se levantava:

– Gostou? Ficou bom o serviço?

– Ficou uma bosta – respondeu o maroto branquelo saindo em seguida sem pagar pelo serviço.

Joseph Sabinowsky logo percebeu que o barbeiro que só nas horas vagas exercia o tal ofício, mas que na verdade tinha como função principal a vigilância do cemitério da cidade, (ele era funcionário da prefeitura), não teria um bom dia se não fosse ao bar da esquina beber suas pingas e jogar truco.

Naquele momento em que o filho do funileiro saiu sem pagar a conta, Sabinowski percebeu que não haveria clima para um bom papo com seu  colega de longa data.

No ônibus que o levaria até o centro da cidade sentou-se ao lado de uma moça que aparentava uns 20 anos.

Joseph puxou prosa:

– Que calor hein? O valor que o dono da empresa cobra pela passagem dava para oferecer mais conforto aos passageiros, não é não?

– É mesmo. Pelo preço da passagem deveriam instalar ar condicionado nos ônibus. O senhor não acha? – respondeu a moça, pensando no namorado que levara seu carro velho para a oficina.

A conversa fluiu até o momento em que a mocinha dizendo conhecer de vista o velhinho, perguntou:

– O Senhor não morava ali na Rua do Serviço perto do hospício dos Petrões?

– Sim eu morava ali mesmo. Tinha uma padaria nas proximidades.

– Minha mãe que sempre foi uma lutadora, uma trabalhadora da reciclagem do lixo estava na labuta diária naquela redondeza. O senhor não conheceu a minha mãe?

– Não era uma senhora baixinha, gordinha, que fizera cirurgia no joelho direito e que vivia capengando pelo meio da rua com dois sacos de lixo cheios de recicláveis um em cada mão?

– É isso mesmo – respondeu a mocinha.

– Ah, eu conheci sim. Comi muito a senhora sua mãe. Ela fedia um pouco. Mas dava para encarar.

A conversa durou até o ônibus chegar ao ponto final no centro da cidade.

Ambos desceram e, lado a lado, continuaram a conversação.

– Eu vou até aquela universidade ali na Rua Rangente Eyelash. Quero fazer um curso de enfermagem – contou a mocinha eperançosa.  

– Olha cuidado. Aquilo ali é uma arapuca. Eles enganam facilmente o cidadão. Não ensinam nada e ainda depois se dizem credores. Não assine papel nenhum, se assinar eles vão te processar. Aconteceu com um sobrinho meu. Ele assistiu uma ou duas aulas de uma matéria qualquer e depois não foi mais. E qual não foi sua surpresa quando recebeu a notícia de que devia o valor de um semestre todo.

– Mas seu Sabinowsky o sobrinho não teria que “trancar a matricula?”

– A safada da instituição diz que sim. Mas não avisaram o moleque. Na verdade o que eles fizeram, e fazem, é uma “pegadinha” de orientação politica, para manter os desafetos políticos em debito. Sabe a prefeitura, a Câmara municipal? Então…

– Mas seu Joseph não estava escrito no contrato que seu sobrinho assinou?

– Vai ver que tava. Mas quem, me diga, quem se propõe a ler aquelas milhares de palavras grafadas em letras microscópicas? O que a instituição fracassada, falida, queria era cobrar do meu sobrinho uma ficção. Eles não deram nada em troca pelo dinheiro que pediram em juízo, para o filho da minha irmã. Imagine só cobrar por algo que não deram. Eles querem pagar os credores no processo de falência tomando dinheiro dos desavisados.

– Sabe o que eu acho seu Joseph Sabinowski? Eu acho que está havendo um conflito entre o direito e a justiça.

– Eu também acho. Aqueles contratos têm cláusulas discutíveis. Mas quem em sã consciência se preocupa em ler aquele palavreado todo?

– Faz parte da arapucagem a preguiça das vitimas dos golpes – ensinou a mocinha. Mas eu vou parando por aqui. Agora até eu tenho dúvidas se me inscrevo no curso daquela esparrela.

– Cuidado menina. Acorda! Mas e sua mãe?  Está bem? Senti saudades. Pensei em procurá-la – falou Sabinowski.

– Minha mãe faleceu já faz tempo.

– Ah que pena. Mas e você, me diga agora… já se casou? – quis saber o futuro ex-metalúrgico aposentado, pensando no ditado “filho de peixe, peixinho é”.

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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