Entre e o direito e a justiça

Entre o direito e a justiça

O metalúrgico Joseph Sabinowsky estava quase se aposentando. Já cumprira o tempo de contribuições necessárias, que lhe davam esse direito, junto à instituição do seguro social.

Ele passava a maior parte dos seus dias mais solto que arroz da vovó e sossegado igual a gato velho dormente em sacaria de armazém. Sem a premência ou preocupação com o que fazer para garantir o sustento da família ele agora andava livre, leve e solto.

Numa tarde de sábado Joseph resolveu passear pela praça central da cidade. Antes ele passou pela barbearia do vizinho para dizer-lhe um “boa tarde”. Mas quando viu que a cadeira do freguês era ocupada pelo filho Pimentoe do funileiro do bairro, resolveu esperar o término dos trabalhos, parando defronte ao estabelecimento.

– Tirando aquela capa que cobre o corpo do cliente e passando a escova pela cabeça do freguês o barbeiro perguntou quando o moço se levantava:

– Gostou? Ficou bom o serviço?

– Ficou uma bosta – respondeu o maroto branquelo saindo em seguida sem pagar pelo serviço.

Joseph Sabinowsky logo percebeu que o barbeiro que só nas horas vagas exercia o tal ofício, mas que na verdade tinha como função principal a vigilância do cemitério da cidade, (ele era funcionário da prefeitura), não teria um bom dia se não fosse ao bar da esquina beber suas pingas e jogar truco.

Naquele momento em que o filho do funileiro saiu sem pagar a conta, Sabinowski percebeu que não haveria clima para um bom papo com seu  colega de longa data.

No ônibus que o levaria até o centro da cidade sentou-se ao lado de uma moça que aparentava uns 20 anos.

Joseph puxou prosa:

– Que calor hein? O valor que o dono da empresa cobra pela passagem dava para oferecer mais conforto aos passageiros, não é não?

– É mesmo. Pelo preço da passagem deveriam instalar ar condicionado nos ônibus. O senhor não acha? – respondeu a moça, pensando no namorado que levara seu carro velho para a oficina.

A conversa fluiu até o momento em que a mocinha dizendo conhecer de vista o velhinho, perguntou:

– O Senhor não morava ali na Rua do Serviço perto do hospício dos Petrões?

– Sim eu morava ali mesmo. Tinha uma padaria nas proximidades.

– Minha mãe que sempre foi uma lutadora, uma trabalhadora da reciclagem do lixo estava na labuta diária naquela redondeza. O senhor não conheceu a minha mãe?

– Não era uma senhora baixinha, gordinha, que fizera cirurgia no joelho direito e que vivia capengando pelo meio da rua com dois sacos de lixo cheios de recicláveis um em cada mão?

– É isso mesmo – respondeu a mocinha.

– Ah, eu conheci sim. Comi muito a senhora sua mãe. Ela fedia um pouco. Mas dava para encarar.

A conversa durou até o ônibus chegar ao ponto final no centro da cidade.

Ambos desceram e, lado a lado, continuaram a conversação.

– Eu vou até aquela universidade ali na Rua Rangente Eyelash. Quero fazer um curso de enfermagem – contou a mocinha eperançosa.  

– Olha cuidado. Aquilo ali é uma arapuca. Eles enganam facilmente o cidadão. Não ensinam nada e ainda depois se dizem credores. Não assine papel nenhum, se assinar eles vão te processar. Aconteceu com um sobrinho meu. Ele assistiu uma ou duas aulas de uma matéria qualquer e depois não foi mais. E qual não foi sua surpresa quando recebeu a notícia de que devia o valor de um semestre todo.

– Mas seu Sabinowsky o sobrinho não teria que “trancar a matricula?”

– A safada da instituição diz que sim. Mas não avisaram o moleque. Na verdade o que eles fizeram, e fazem, é uma “pegadinha” de orientação politica, para manter os desafetos políticos em debito. Sabe a prefeitura, a Câmara municipal? Então…

– Mas seu Joseph não estava escrito no contrato que seu sobrinho assinou?

– Vai ver que tava. Mas quem, me diga, quem se propõe a ler aquelas milhares de palavras grafadas em letras microscópicas? O que a instituição fracassada, falida, queria era cobrar do meu sobrinho uma ficção. Eles não deram nada em troca pelo dinheiro que pediram em juízo, para o filho da minha irmã. Imagine só cobrar por algo que não deram. Eles querem pagar os credores no processo de falência tomando dinheiro dos desavisados.

– Sabe o que eu acho seu Joseph Sabinowski? Eu acho que está havendo um conflito entre o direito e a justiça.

– Eu também acho. Aqueles contratos têm cláusulas discutíveis. Mas quem em sã consciência se preocupa em ler aquele palavreado todo?

– Faz parte da arapucagem a preguiça das vitimas dos golpes – ensinou a mocinha. Mas eu vou parando por aqui. Agora até eu tenho dúvidas se me inscrevo no curso daquela esparrela.

– Cuidado menina. Acorda! Mas e sua mãe?  Está bem? Senti saudades. Pensei em procurá-la – falou Sabinowski.

– Minha mãe faleceu já faz tempo.

– Ah que pena. Mas e você, me diga agora… já se casou? – quis saber o futuro ex-metalúrgico aposentado, pensando no ditado “filho de peixe, peixinho é”.

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Treta nas trevas

Treta nas trevas

                           Fernando Zocca

Um dos motivos principais da pressão alta, do diabetes, do infarto do miocárdio, do derrame cerebral, sem dúvida nenhuma é a obesidade.

A coleção, o ajuntamento do chamado tecido adiposo, força tanto o sistema corpóreo todo que, segundo pesquisas, o abreviamento da vida é fato incontestável.

Eu conheci há muito tempo, por volta de 1974/1975, H. O. uma pessoa tão gorda, mas tão gorda que quando entrava no seu Simca Chambord amarelo e branco, as rodas esquerdas, dianteira e traseira, mais a suspensão, do mesmo lado, desciam de tal modo que aproximavam mais a porta esquerda do chão do que a do outro extremo.

– Vamos pra Tiete comprar goiabada? A gente compra uns 100 quilos pra vender aqui na redondeza – disse-me o gordão abrindo a porta do possante, logo pela manhã, daquela segunda-feira quando eu estava à toa na rua defronte sua casa.

No carro, durante o trajeto H. quase não falava. Ele arfava muito por causa da barriga pressionada contra o volante. É certo que o tabagismo tirava-lhe o restinho de fôlego que pudesse ter.

Mas depois de muito esforço, no meio do caminho, dirigindo em velocidade baixa, ele começou a contar que um vizinho da sua filha, bancário aposentado por incapacidade provocada pelo alcoolismo crônico tinha por habito falar muito palavrão.

– O bêbado arrependido fala mais nome feio que a Dercy Gonçalves. Conhece? – perguntou-me H. acendendo outro cigarro usando o acendedor do painel do Chambord.  

Eu não a conhecia até quando pude vê-la pela televisão muitos anos depois.

Mas aquele vizinho bancário aposentado, eu mesmo testemunhei: realmente falava tanta obscenidade que envergonhava o interlocutor.

Sabendo sobre o comportamento verbal do tal, eu não estranhei tanto quando, durante uma tarde, a enxurrada de tabuísmo emergiu durante o encontro daquele outro vizinho, enfermeiro homicida, com o aposentadão.

A cena do esculacho palavroso se passou por causa da saída temporária de Natal, quando o condenado pela morte da empregada doméstica bateu à porta do ex-bancário pedindo vinho.

– Ocê sabia que esse enfermeiro matou a moça grávida que o procurara solicitando um aborto? – perguntou H. O. pra mim, que boquiaberto era informado sobre parte da biografia do imperito – logo em seguida H.O. continuou:

– Ela engravidara do patrão casado que não queria se comprometer. Não queria que a esposa soubesse. Morou a sacanagem, pegou a visão?

Sim, mas voltando à estrada, na entrada de Tiete numa rua que se afunilava, placas sinalizadoras e também veículos vindos na direção contraria, indicavam que a passagem por aquele trecho se dava apenas por um carro de cada vez. Não se sabe bem o porquê, se H. não viu, ou se não compreendeu que a preferência seria do que se aproximava pela frente, ele pisando fundo no acelerador, só parou quando estava a bem pouco de provocar uma colisão frontal.

Bom, eu sei que a compra de tanta goiabada não frutificou. Voltei pra casa ao anoitecer com a única certeza de que passei um dia bem diferente.

Numa das noites seguintes, ali pelas 22 ou 23 horas o neto brincalhão do pesado H.O., eufórico por ter ganhado uma moto da mãe, acendendo um cigarro me perguntou quando eu estava na calçada defronte a minha casa:

– Ocê já viu meu avô cagando? Parece um Buda sentado no “trono”. E depois, tomado por um surto de gargalhada:

– Venha ver!

Entramos pelo portão externo e caminhando às apalpadelas, até um recinto pequeno, num puxadinho, fora da casa, no quintal, pela porta aberta pudemos ver a pessoa imensa sentada fumando um cigarro; as calças arriadas até os pés.

Uma voz grave veio das trevas:

– Quem está aí?

– Sou eu vô! – respondeu o neto explodindo numa gargalhada.

– Vai fora moleque. Não me encha o saco.

Rindo muito o rapazola me afiançou:

– Ele fica sentado ali horas e horas. E nem lê o Estadão.

Do quarto que ficava no andar de cima do sobrado a mãe do maroto, abrindo bruscamente a janela e olhando pra baixo ameaçou:

– Vem já pra dentro moleque. Não abusa que eu lhe tomo a moto!

Não se sabe se foi praga ou o que quer que fosse, ou tenha sido, numa das noites seguintes o neto desrespeitoso, correndo muito com a sua Honda 50cc levou um tombo que lhe ralou as mãos, os braços, as pernas, costas e a cabeça de bagre cabeçudo insolente.   

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Gente Importante

Fernando Zocca

1.

O vereador tupinambiquence Laércio “boquinha de chupar ovo” Brevisan decidiu que o mote da sua quinta reeleição seria, como todas as anteriores, a demonstração escancarada – apesar de falsa, hipócrita – do seu apreço pelos animais.

Essa ideia partiu da pendenga havida entre Célio Justinho e Luisa Fernanda contra o cachaceiro Van de Oliveira Grogue, intransigente na defesa do seu direito ao repouso noturno, insistentemente negado pelo casal teimoso em manter a esbórnea, a balbúrdia, nos finais de semana, depois das 22 horas.

– Olha dona Lurdona, veja bem: amanhã é segunda-feira, eu tenho que me levantar bem cedo, pegar o metrô, o ônibus, suportar o sacolejo durante muitas horas, a fim de cumprir meu contrato de trabalho com o poder público – disse Van de Oliveira em tom choroso, à velhota, mãe do folião sociopata depois que ambos se encontraram defronte a casa daquele meliante antissocial.

– Olha, veja bem, o senhor me desculpe, mas já falei muitas vezes pro Célio Justinho e também pra minha nora Luisa Fernanda que eles precisam se conter. Barulho depois das 10 da noite geralmente é sinal de percalços genéticos, casos médicos, afecções psiquiátricas, mas eles não atendem. O negócio deles é a gandaia desbragada mesmo, não têm jeito.  

Enquanto os vizinhos conversavam naquela noite de domingo durante as vibrações mais intensas e contundentes do rock pauleira vindos do fundão do quintal, e dos latidos esganiçados da cadela Magna, o Poodle anêmico e piolhento, Van percebeu que de nada adiantariam as razões e contra razões expostas na defesa da sua tese da necessidade da manutenção do silencio noturno.

Lembrando-se de um conselho antigo daquela sua prima, professora de matemática, que afirmava “dos loucos a gente deve manter distancia”, Van se preparava para voltar ao seu portão quando pela calçada Delsinho Espiroqueta de mãos dadas com o feio Zé Laburka passaram cochichando e soltando risinhos de deboche.

Van de Oliveira pode ouvir da dupla:

– Vamos falar pro Qreco Ginno dar uma força pra gente destrambelhar esse arremedo de pintor holandês a desitir de perturbar, atrapalhar os andamentos das nossas bagunças dos finais de semana – falou Delsinho o rato almiscarado, sentindo na mão a gosma, a meleca, do suor expelido pela pele da mão enrugada do Zé Laburka.  

– Qreco, que Qreco? – perguntou Laburka, o sírio de araque.

– Qreco Ginno é aquele gordo preguiçoso, barrigudo, que parece um Buda mais “farso” que nota de três reais, sempre sentado na mureta do sobrado de esquina do vizinho comerciante falido.

– Ah sei. O único serviço que a criatura faz e fez durante quase toda sua vida de sessentão foi varrer e enxaguar a calçada defronte sua humilde residência – disse Laburka em tom de quem entendeu o assunto.

– Sabe quem a gente pode botar nessa história também, meu turco do fedor? O Gelino Embrulhando. Lembra dele?

– Olha pra escangalhar essa periquita, esse Grogue chato, quanto mais gente melhor. Mas quem é o Embrulhano?

– Ele tem uma cunhada que trabalha como serviçal no fórum, mas de fofoca é muito boa. Ninguém faz uma tecedura como ela – Delsinho Espiroqueta, o rato almiscarado apostava que o chato se mudaria rapidamente de residência, deixando livres as manifestações do casal Célio Justinho e Luisa Fernanda que, muito orgulhoso, dizia ser parente de Francisco Navarro de Morais Salles.

2.

– Olha, vou falar pra você: não adianta nada a gente encher o saco, a paciência, perturbar, infernizar a vida desse Van de Oliveira. Isso não resolve – disse com seriedade Heitor Doadis ao Donizete Pimenta quando ambos, num entardecer, se encontravam defronte a casa do Pimenta.

– É verdade. Veja há quanto tempo a gente perturba a sanidade do cidadão e até hoje sem resultado – concordou Donizete Pimenta.

– Seria melhor a gente contar com a ajuda de algum político que facilitasse a mudança do Van pra outra cidade. Quem sabe se nós investíssemos na campanha de alguém que se dispusesse a nos ajudar nesse sentido – continuou Heitor Doadis.

– Mas, quem, quem, quem? – inquiriu o ansioso Donizete.

– Conhece o Laércio “boquinha de Chupar ovo” Brevisan? Então! Esse é o cara. Ele é amigo do Célio Justinho e da Luisa Fernanda e com certeza, depois de reeleito, encontrará uma função pública pro Van de Oliveira.

E foi então assim que Brevisan, entrando em contato com o casal fanfarrão, ouvindo atentamente as queixas de que Grogue também se preocupava muito com os latidos da cadela Magna que ele, o agora candidato ao quinto mandato à camara municipal, manteve como mote principal, a lhe mover a próxima campanha, a defesa dos pobres e tão achincalhados cãezinhos de família.

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O Molambo

Por Fernando Zocca

Tupinambicas das Linhas, se você não sabe, era uma cidade especial. Especialíssima. Era um pequeno e medíocre trecho do universo onde você poderia ver, ouvir e dialogar com um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de S. Tupinambos que, passeando pelas ruas centrais da urbe, indigentemente trajado, respondia a quem o questionasse sobre o seu lamentável e malcheiroso estado:

– Eu agora sou músico. Artista. Toco Saxofone. Conhece? – confessou a pessoa importante parando diante dum grupo de quatro velhos reunidos na Praça dos Bancos.

– Mas excelência, o que dizem a senhora sua esposa, seu filho e seus colegas do judiciário, da primeira, da segunda e doutras instâncias, sobre esse seu cabelão rebelde, essa barba suja e essas unhas emporcalhadas? – perguntou um dos interlocutores, todos espantados ao perceberam a presença da figura que, de repente, parara diante deles a fim de prosear.

– Eu já lhe disse que toco saxofone. Ensaio no meu apartamento de mais de 200 metros quadrados com as portas da varanda abertas. Tem gente que gosta. Por exemplo, uma vizinha balzaquiana boazuda pra cachorro, sempre que me ouve tocando corre abrir a portinha do seu apê a fim de sentir melhor o meu som. Que, aliás, diga-se de passagem, é super poderoso.

– Mas, excelência e sobre o seu tempo de juiz de direito na comarca: Dizem que o senhor “papava” as escriturárias, as serventes, estagiárias e até as advogadas, mesmo que fossem recém-casadas. É verdade isso ou é marola de gente ressentida?

– Imagine se eu teria saúde pra fazer isso tudo. É intriga da oposição. Inclusive diziam, a quem quisesse ouvir, que eu como integrante do judiciário não cria na polícia composta mais por meliantes, bandidos e assassinos do que por gente honrada, alçada da sociedade tupinambiquence.

– Mas excelência o senhor não se envergonha de ter sido antes uma figura sempre bem vestida de paletó e gravata, perfumada, um verdadeiro dandy a pavonear-se nas salas de audiência, cartórios e corredores do Fórum, e agora, depois da senectude, andar feito molambo cabisbaixo pelas ruas centrais da cidade? Dizem que o senhor está acometido da demência senil.  Até que ponto, doutor, isso é verdade?

– Veja bem: corrupção na polícia, nos cartórios do judiciário e até mesmo entre os prolatores das sentenças e despachos interlocutórios, sempre existiu e sempre existirá. Afinal, meus amigos quem não sabe que um punhado de dólares sempre é mais forte do que qualquer formação moral ou moralidade, hã?

– Tudo bem, seu doutor, mas não lhe ocorreu que o senhor, com esse comportamento bizarro, pode expor ao ridículo todo o judiciário, aquela tradição secular e história? – inquiriu outro velhinho barrigudinho que tinha por hábito diário fazer a sua “fezinha” no jogo do bicho.

– A população está acostumada com os vexames dos legislativos, tipo câmara municipal, estadual e federal, mas do judiciário é o senhor que, estando gagá ou não, oferta motivos pra que o povo fale o que vê e ouve.  Estou certo ou errado? – perguntou outro cidadão cutucando um dente cariado.

– Me chamam de loucão, de arrumador de tretas com todo mundo. Mas vejam: sou um velhinho de super-salário que mora num apartamento com mais de 200 metros quadrados, que chamo de minha casa, minha vida e, sem encher o saco de ninguém, faço meus churrascos reunindo minha turma de músicos. Qual é o mal disso?

– Mas e aquele vereadorzinho, o Laércio “boquinha de chupar ovo” que, com uma arma ameaçou o vizinho, por causa do cachorro gay? – indagou Harvey o mais velho do grupo de velhotes.

– Vocês sabem que isso não dá em nada. Inquéritos perdidos no meio da papelada dos cartórios, nunca levaram a aplicação nenhuma da lei. É mais fácil a pessoa ser atropelada no transito do que responder aos questionamentos de forma civilizada. Essas histórias de policiais que “plantam” drogas nas vestes ou pertences da gente mal querida, inclusive criando boatos, e armadilhas, fazendo o povo crer na pedofilia, ou qualquer outro crime do antipatizado, são muito reais, verdadeiras. Isso quando não eliminam sumariamente o cara de quem não gostam.

– O senhor gosta de leitura, doutor? – quis saber um imbecil que, crendo nas lorotas jurídicas mantinha certo “temor reverencial” diante do indigente jurídico.

– Muito – respondeu o artista legal.

– E vinho? – continuou o interrogante.

– Sim – disse o loroteiro das leis – Mas só se for de Portugal. Manja vinho do Porto? Então filhinho…

O relógio da matriz badalava onze horas da manhã. Diante do ânimo de debandada que se formava entre os anciãos o doutor desembargador indigente despedindo-se da turma foi se afastando.

Quando estava a uma distancia segura, olhando para trás, aos risos, disse em alto e bom som:

– Oceis não passam de um bando de velhos brochas. Vão arrumar o que fazer seus contraventores vagabundos!  

E lá se foi a velha, embolorada, venerada e intocável figura, do judiciário, candidata ao Parkinson e ao Alzheimer, caminhando cambaleante pela praça central, desfilando a demência já bem visível e amplamente notável.

Diante da surpresa e assombro dos transeuntes, criados pelas palavras do loucão, um carro de propaganda da associação comercial e industrial de Tupinambicas das Linhas, dirigido pelo simpaticíssimo Oswald, passava irradiando rock da Rita Lee:

O vinho branco, a cachaça, o chope escuro


O herói e o dedo-duro


O grafite lá no muro


Seu cartão e seu seguro


Quem cobrou ou pagou juro


Meu passado e meu futuro


Tudo vira bosta

Filé minhão, champinhão, Don Perrinhão


Salsichão, arroz, feijão


Mulçumano e cristão


A Mercedes e o Fuscão


A patroa do patrão


Meu salário e meu tesão


Tudo vira bosta

A rabada, o tutu, o frango assado


O jiló e o quiabo


Prostituta e deputado


A virtude e o pecado


Esse governo e o passado


Vai você que eu ‘tô cansado


Tudo vira bosta.

Esta é uma narrativa de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas vivas ou mortas, é mera coincidência.

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O braço

Perceba bem como são as coisas: estudos de especialistas mostram que cenas de violência transmitidas pelos filmes, tanto nos cinemas, quanto nas TVs, teriam o condão de provocar nas crianças e adolescentes comportamentos agressivos.

Ao contrário outros estudos dizem que pouca ou nenhuma influência teriam, no comportamento adolescente, ou infantil as tais cenas de agressão mostradas nos filmes.

Na dúvida é bom tomar cuidado. Principalmente com os doidinhos, doidinhas e assemelhados que pululam aos milhares em nossa sociedade.

E agora então com o aparecimento desses jogos de videogames com as atrocidades mil que banalizam a agressão o abuso da força, da tirania, e da opressão os cuidados podem ser redobrados.

Mas há mais ou menos sessenta anos passados, por volta de 1961, os adolescentes daqueles dias também estavam sujeitos às imagens dos filmes grandiosos como El Cid, o herói Rodrigo Díaz de Vivar que foi um cavaleiro castelhano e senhor da guerra na Espanha medieval. Lutou com os exércitos cristãos e muçulmanos durante sua vida, tendo ganhado o título árabe de honra “al-sīd”, que iria evoluir para El Cid, e também o apelido espanhol de El Campeador. Ele nasceu em Vivar del Cid, um vilarejo próximo à cidade de Burgos. Conforme explica a Wikipédia.

Então não era muito raro as crianças e pré-adolescentes inspirados nas cenas heroicas do cinema, concretizarem, nas suas brincadeiras, momentos como os vistos nos filmes.

Vai daí que numa tarde de domingo, quando a família tradicional, classe média, residente na região central da cidade, reunia-se para receber, com a degustação dum grandioso, supimpa café do tarde, composto por um vasto e variadíssimo cardápio suculento, os dois importantes visitantes especialmente vindos dos Estados Unidos, um dos filhos (o tal já era maroto naquela época), do doutor dentista disse ao seu pai, um cirurgião dentista detalhista, perfeccionista, meticuloso, mas tão meticuloso, que até os paquímetros usados pelos metalúrgicos nos trabalhos de torno, pareciam genéricos:

– Senhor meu papai, conhece ou já ouviu falar, sobre a molecada do bairro que anda brincando pelas ruas de capa e espada? Eles fazem, com ripas e tábuas, espadas e escudos iguais aos que veem nos filmes dos gladiadores. Formam turmas, hordas, correndo pra cima e pra baixo, aos gritos, brandindo suas armas; o ajuntamento de moleque é tão intenso que apavora as comadres do quarteirão.  

Pigarreando depois de ingerir uma xícara de café com leite e deglutir o brioche fresquinho, o vetusto cirurgião respondeu:

– Eu já falei pra você maneirar essa língua. Ainda bem que as visitas não falam o português. Não compreenderiam os disparates seus e dessa gente subnutrida, subdesenvolvida e besta ao extremo.

Depois desse “sabão” no moleque, a conversa fluiu amena, em inglês (a esposa do cirurgião era professora do idioma), sobre outros vários temas como as corridas de automóveis, tendo como destaque o piloto James Clark Jr (Jim Clark) e a política do presidente John F. Kennedy nos Estados Unidos.

Lá pelas tantas, ao entardecer, a visita retirou-se com agradecimentos e mesuras mil.

– Thank you very much for your welcome, dear brothers. We will now return to the United States, but by ship. (Muito obrigado pela acolhida, queridos irmãos. Voltaremos agora aos Estados Unidos, mas de navio) – disse um deles visivelmente agradecido.

Enquanto a dona da casa retirava a mesa pondo a louça na pia, o doutor professor cirurgião chamou o filho ao quarto e retirando de cima do guarda-roupa um facão de cortar cana disse a ele:

– Se você quiser mesmo fazer como os gladiadores e seus amiguinhos da rua, deve agir produzindo algo útil, que te dê dinheiro. Isso que te presenteio hoje é um instrumento, semelhante ao dos filmes, com o qual você poderá ganhar o sustento da vida.

O moleque, de queixo caído, bestificado, não dormiu naquela noite. Mas resolveu guardar, como lembrança, o presente dado pelo pai naquela noite inesquecível.

Quando se tornou adulto em meados dos anos 1970, o jovem, já com emprego fixo, recém casado, estando a esposa esperando o primeiro filho, levando-a, numa tarde, às pressas ao hospital onde receberia o atendimento especializado, teve seu carro atingido por outro dirigido por pessoa que não respeitou a sinalização da via preferencial.

A mulher do moço, num ataque de histeria, dizendo, aos gritos, que perderia o filho, exigia providências contra a pessoa maligna que não respeitara as leis do trânsito.

Bom, com o bafafá armado, polícia e ambulância chegando, trânsito congestionado, xingamentos mil de ambos os envolvidos, o mocinho filho do senhor professor doutor cirurgião dentista, quando soube que o motorista não era habilitado, e que pelo bafo de cana que exalava, estava ainda mais bêbado que não sei o quê, num surto de ira, lembrou-se do pai e do presente que lhe dera há muito tempo atrás.

Entrando então no seu carro, mandando a mulher calar a boca e tirando de baixo do assento traseiro o facão de cortar cana, avançou sobre o ébrio que antevendo a agressão que sofreria, com aquela arma branca, ergueu, num gesto de defesa, o braço esquerdo, decepado inapelavelmente na altura do cotovelo.

No final o natimorto foi enterrado sob os lamentos dos pais e da família. O agredido usando prótese, que garante não lhe ser confortável, trabalha hoje no serviço público municipal onde, com muito esforço, tenta redigir seus relatórios com uma única mão.

O senhor professor e esposa após atingirem a nonagésima década de vida ascenderam aos céus onde estão até hoje.

O mocinho maroto, depois de separado da esposa tenta, aos trancos e barrancos, manter o oitavo ou nono relacionamento afetivo.

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Atendimento pós-venda

Comprei uma moto (sim, meu amigo, pobre também pode ter moto) Honda Start 160, na revendedora Beni Motos situada em Piracicaba, na Av. Armando de Salles Oliveira.
Depois que me entregaram o veículo, o atendimento pós-venda, passou a ser feito à Rua Benjamim Constant, 1752.
A revisão da entrega aconteceu no dia 15 de setembro de 2017. A primeira revisão – manutenção periódica – após a entrega do veiculo, deu-se no dia 05 de março de 2018; a segunda revisão no dia 15 de setembro de 2018; a terceira revisão aconteceria depois dos 18 meses a contar da data da compra.
No manual do proprietário há explicações do procedimento a ser seguido pelos revendedores. E deste consta que a troca de óleo e a mão de obra serão gratuitas a partir da terceira revisão até a sétima.
Mas não é bem assim que as coisas funcionam. Daquelas teorias todas do manual, a prática, meu amigo, é bom diferente.
Em contato telefônico com funcionário da Beni Motos (Rua Benjamim Constant, 1752), nesta data (29 de março de 2019), fui informado que os serviços da tal revisão (mão de obra) e troca de óleo, não seriam gratuitos e que pelos cálculos da empresa, o custo seria de R$ 501,00 (quinhentos e um reais).
Das duas uma: ou o manual do proprietário não contém verdades, iludindo o consumidor, ou a empresa Beni Motos cobra injusta e ilegalmente por serviços que deveria efetuar gratuitamente.
Revisão, ao que se sabe é rever o que já foi visto. Mas a minha moto não foi revisada, depois da segunda, que ocorreu em 15 de setembro de 2018.
Segundo a conversa do funcionário que me atendeu hoje pela manhã (29 de março de 2019) ao telefone, pela troca de vela, regulagem das válvulas e desmontagem do motor o valor cobrado seria de R$501,00.
O interessante, que chama a atenção do consumidor é o sujeito saber tudo o que tem de trocar, e todo o serviço a fazer no veículo, ainda em garantia, sem tê-lo visto nem de longe.
Está certo que a crise está brava. Mas não vamos exagerar não é?
Aconselhamos A Honda do Brasil, instalada na Amazônia, que proceda a revisão do manual do proprietário (que é entregue ao consumidor no ato da compra) e que também treine melhor os funcionários responsáveis pelas vendas dos seus produtos aqui no Brasil.

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A Porta Larga

A Porta Larga

Delsinho Espiroqueta estava inquieta, naquela tarde quente de sexta-feira no seu quarto. Uma dúvida terrível atormentava-lhe os cornos: ver televisão, ouvir discos gospel, ou ler o Diário de Tupinambicas das Linhas?

Andando pelo quarto até a cozinha, passando pelo banheiro, evitando sempre ir ao quintal onde havia o puxadinho do barraco do seu sobrinho Donizete Pimenta, Delsinho lembrou-se da sua amiga Sombrinha a coleguíssima rebolante, íntima desde os primevos carnavais.

Tomado pelo tédio, mas preocupada com a pele, Delsinho pegou o celular buscando o número da Sombrinha.

Sentando-se no sofá puído, depois de alguns minutos, Delsinho, a gazela do bairro Vila Dependência,  pode ouvir a voz da colega:

– Sim. Oi. Quem é?

– Aqui é seu fofucho, lindinha. Não reconhece a voz? – Falou Delsinho com doçura.

– Oi bicha – identificou, com surpresa, Sombrinha a cortesã.

– Como está sombrinha do meu cajueiro, do meu pé de limão ressequido?  – Inquiriu Delsinho.

– Tudo bem. Mas que calor, hein colega?

– Não consigo ficar em casa. Será que tem churrasco na casa da Luisa Fernanda? – continuou Delsinho.

– Ah, com certeza. O Célio Justinho me disse, agora pelo telefone, que a biba acendeu a churrasqueira antes das 11.

– Vamos lá colega? – perguntou Delsinho tendo a esperança de conseguir um agito pra afastar a leseira.

– Você sabe amiga, que detesto música sertaneja. E aquela maldita cadela Magna que late mais do que cão na frente do vizinho invejado. Não dá prá aguentar.

– Então vamos pro bar do Bafão?

– Passe aqui. Se vier de moto traga um capacete para mim – concluiu Delsinho.

Depois de vinte minutos sombrinha surgiu de moto na frente da residência oficial do Espiroqueta. Com buzinadas semelhantes às dos entregadores de pizza, Sombrinha fez-se anunciar.

– Já Vou – gritou Espiroqueta vestindo o fio dental de oncinha, olhando-se depois no espelho.  

Depois de um percurso tumultuado em que quase atropelaram a vovozinha que fora proprietária do primeiro  bar da rua, invadindo a preferencial dos outros e esgoelando contra os sinais vermelhos, chegaram as loucas no bar do Bafão.

Ao entrarem passaram por Abdo Minal que contava ao Zé Laburka suas aventuras com um traveco que lhe levara, depois de um programa, a grana reservada para o pagamento da conta de luz.

– Você, Donizete Pimenta, não é vaga-lume, mas também tem luz própria – falou em alto e bom som o técnico burocrático Abdo Minnal, quando Pimenta ingeria o seu primeiro gole de cerveja.

Donizete ao ouvir o chiste, sentindo-se perseguido engasgou com a cerveja, tossiu com a boca fechada, espirrou várias vezes, soluçou incontrolavelmente por 30 segundos e ao sair da mesa, onde se acomodara, soltou um sonoro pum que horrorizou a galera.

Sob o invencível surto de tosse e soluços Pimenta disse:

– Vou ao banheiro.

Depois de alguns minutos, ao voltar, ele falou pra Sombrinha enquanto se sentava:

– Olha neguinha: pode sofrer muitas dores quem ingere pinga com aspirina ou cerveja.  

Sombrinha já sentia o amortecimento que o álcool lhe provocava. Ela prestou atenção no burburinho esganiçado emergente do salão lotado e disse bem grogue, bem atordoado:

– Enquanto, minha filha, – veja bem – tiver bambus haverá flechas.  Nem ligue.

Tomado por um espírito filosófico Delsinho resenhou:

– Tupinambicas das Linhas é uma cidade bem rica, mas seu povo muito pobre.

Distraídos os bebedores viram, em silencio, quando entrava pela porta larga do boteco, o ilustríssimo Zécilio Demorais, o jornalista proprietário do inoxidável e centenário O Diário de Tupinambicas das Linhas, que ao aproximar-se da mesa dos dois bebedores foi logo dizendo:

– Sombrinha e Delsinho Espiroqueta os inimigos do bem, amantes do mal. Como vão vocês?

Os dois se entreolharam e pra evitar confusão fingiram não ouvir nada.

O jornalista continuou:

– Penso que chamam “abelhas” as pessoas resmungonas, rabugentas, e neuróticas porque são iguais àqueles insetos. A diferença entre os insetos e as neuróticas, que não usam protetor solar, é que ao invés de pólem estas doidas levam e trazem fofocas maldosas; podem, por exemplo, numa visita ao cemitério, depois duma longa oração, diante da tumba conhecida, pegarem o ramalhete vistoso de flores ainda frescas e presentearem o vizinho malquisto.

Sombrinha ouvindo atentamente o discurso do ilustrado, pigarreando arriscou:

– Conheço o tipo. São personalidades com desordem antissocial; manias obsessivas compulsivas. Espíritos reinvidicativos entrevados.  

Então falou Van Grogue, que acabara de se achegar à mesa dos colegas:

– Se tiveram essa impressão foi por ter havido razões. Sei que são cegados pela sua importância. Fingem desprezar as pessoas ou aspiram a sua veneração.

Depois se afastando Grogue finalizou a filosofice:

– Eu sempre digo: tudo o que não puder contar como fez, não faça.

A noite principiava. A temperatura abaixava.

O pessoal, aos poucos abandonava o ambiente tóxico.

Bafão ao constatar a saída do último freguês usuário, preparava-se pra fechar o boteco, quando apareceu Luisa Fernanda esbaforida dizendo:

– Gente, gente, é urgente! Tenho uma novidade:

Bafão parado na calçada segurando a porta de aço, assustado, pode ouvir a notícia da gerente de loja, demitida por justa causa, Luiza Fernanda que esgoelava:

– O Jarbas, sim… aquele… Quer ser novamente prefeito da cidade…

Bafão mal teve tempo de entrar no salão e abaixar completamente a porta quando uma tempestade de ventos e chuva fortes assolou a cidade inundando centenas de casas, destelhando-as, arrastando carros e derrubando dezenas de árvores.

– Quem disse que desgraça pouca é bobagem? – perguntou Luisa Fernanda correndo ofegante e desengonçada pela gelada chuva inclemente.   

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A Mamadeira

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O gás

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Energia

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O 9 de julho

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Corote

Corote

Delsinho Espiroqueta, o ratão branco, na verdade albino eriçado, fugitivo dos laboratórios de psicologia, naquela manhã de quarta-feira, caminhava ao lado da sua colega favorita de fofoca, a Sombrinha pela rua quase deserta do bairro Vila Dependência.

– Amiga você não vai acreditar, mas meu sobrinho Donizete Pimenta encafifou com uma tal de Arruela que não sei se conseguirei segurar.

– Ele está se engraçando pro lado da moçoila? – inquiriu Sombrinha.

– A pobre não um gato pra puxar pelo rabo, não tem onde cair morta e depois de deixar a vida fácil, onde obteve dois filhos de pais diversos e desconhecidos, agora quer, por que quer encostar a carroça nos costados do tonto. Ela veio, na primeira visita, com um trole. Sabe trole? Eu já falei: “sobrinho, seu imbecil, cuidado; essa daí quer aplicar o golpe do baú. Mas o retardado fez que não entendeu e iniciou um relacionamento crítico que, certamente, lhe dará muito trabalho” resenhou Delsinho.

– Ih, amiga, não presta interceder. Mexer com isso é a mesma coisa que passar na frente do motociclista que trafega pela preferencial quando subitamente vê seu caminho obstruído pela doidona inabilitada, embriagada, falando ao telefone, que lhe atravessa a frente provocando danos materiais e lesões físicas graves – Sombrinha pensava que estava cheia de razão, por isso emendou rapidamente:

– Eu sou chique, bem!

– Sabe Sombrinha, até a Marta Arbustodorto, nossa parente – irmã da minha avó Nair Unhada – falou um monte pro Donizete cabeça de periguete. Ela disse que o envolvimento com essa Arruela poderia ser extremamente prejudicial pra ele e familiares, tipo a mãe dele, minha irmã.  

Enquanto caminhavam pela sargeta, Gelino Embrulhano, irmão do conhecidíssimo filantropo J. F. Embrulhano, passando com a sua caminhoneta D 20 carroceria de madeira, mais velha do que convite pro baile de posse da rainha Elisabete 2, emitindo tufos imensos de fumaça diesel tóxica, botando a cabeça pra fora, no mesmo instante em que premia a buzina, esgoelou:

– Ei cretinas! Vocês não são enxurradas, mas também só se movem pelas sarjetas! Fizeram calçadas pra quê, satânicas?

Osmar Bante que vinha em direção contrária a das amigas, quando se aproximou disse em tom de cochicho:

– Delsinho, será que você poderia pedir pro Monturo Abibol, aquele fedorento concubino da Marta Arbustodorto, que me mandasse uma cesta básica? Estamos numa precisão inimaginável.

– Ih, coiso. Faz tempo que não vejo Monturo e nem a Marta. Mas se eu encontrar com eles dou o recado.

Quando se afastavam Osmar Bante, já distanciado, olhando pra trás aconselhou:

– Acho melhor vocês andarem pela calçada. Tem tantos desmiolados por aí querendo, por prazer, atropelar as pessoas que dá até medo de sair na rua.

Depois que Osmar se afastou Sombrinha disse:

– Ocê sabe que ele tem razão? Eu fiquei sabendo que não faz muito tempo um sujeito que trabalhava numa loja de material de construção ao ser mandado embora ingressou com uma reclamação trabalhista contra o verdugo obsessor dono do comércio. Você pensa que o velhote procurou se defender na justiça do trabalho? Nada disso. Ao invés, mandou atropelar o cara. Quase mataram o sujeito. Cambada de filhos-de-puta!

– Ai, coisa… Cuidado com a boca… – repreendeu Espiroqueta.

As duas pessoas caminharam lentamente em direção ao templo do bairro. Passou por elas um ônibus barulhento emitindo fumaça tóxica. Sombrinha ao ver o veículo disse:

– Não sei por que se indignam tanto com algumas blasfêmias dos ingênuos desavisados. São tantos os comportamentos criminosos desses que deveriam dar exemplo…

Ambos parando diante do templo olharam-se.

– Aqui “a gente pedimos” perdão pelas loucuras, prejuízos materiais e danos à saúde das pessoas que não toleramos e desejamos destruir  – disse Delsinho sentindo na nádega direita um prurido feroz.

– É neguinho, “nóis” num é máfia. Mas fazemos como se fossemos – encerrou Sombrinha o viadinho rebolativo mais molenga e choroso que gata no cio.

Na saída cada um foi prum lado.  Já distanciado, Sombrinha disse em voz alta:

– Ei bicha! Não vai esquecer o meu aniversário hein? Você sabe: no dia 15 de maio completo outra primavera.

– Fique fria gazela. Eu vou te mandar um presentão. Serve um pacote de cigarros, uma cerveja e um corote de pinga?

É claro que servia.  

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Narcisistas primitivos

A situação estava tão calma em Tupinambicas das Linhas que quem estivesse acostumado com o auê, o zunzunzum, o teretetê infindável sentia-se, de certa forma, desconfortável.

– Sem vento minha caravela não navega – disse Van de Oliveira lembrando-se do Pedrinho Cabral que, durante uma calmaria no oceano Atlântico, pensou que chegaria bem atrasado na costa baiana.

– O vespeiro anda tão xoxo, mas tão sem gosto que a produção dos derivados da colméia assemelha-se àquelas da secura do Saara – reforçou Abdo Minnal que, naquele momento, pensava em iniciar uma caminhada até a margem esquerda do rio Tupinambicas onde, junto com quem topasse a parada, dedicar-se-ia a algumas horas de pescaria.

Na manhã de sábado Grogue e Abdo Minnal encontraram-se no bar A Tijolada, propriedade legítima do Bafão, inimigo declarado dos dentifrícios.

– Parece que foi telepatia. Pensamos juntos na pescaria. Já tenho a vara de pesca. Faltam as iscas. Sabe onde tem minhocas? – inquiriu Van de Oliveira.

Abdo que acabara de encher o seu copo com a mais gelada malzbier, quase engasgando, respondeu que poderiam comprar muitas de uma moradora dum casebre perto da margem.

– E a minha vara? – indagou Abdo.

– Lá onde compraremos minhocas devem ter varas de bambu legais.

Quando saiam do bar e iniciavam a caminhada passou por eles Delsinho Espiroqueta vestindo um short preto e camiseta branca. Ao andar Delsinho rebolava e arrastava as havaianas bem maiores que o seu pé.

Grogue e Abdo observavam o deslizar do meninote. Viram quando ele se encontrou com Zé Laburka, o ancião mais alto e magro que Dom Quixote de la Mancha.  

– Ih, olha lá. Os dois se encontraram. Vão pegar nas mãos – anunciou Abdo.

– Deixa quieto. Os dois se amam.  Não presta interferir no relacionamento dos que se gostam – admoestou Van de Oliveira.

Durante a caminhada os pescadores ultrapassaram Delsinho e Laburka que conversavam na esquina.  

Ressentido Abdo começou uma resenha:

– Contaram-me que esse Delsinho, desde molequeinho não era flor que se cheirasse. Uma vizinha antiga me contou que quando a mãe do Delsinho o mandava comprar pão nas tardes, o sujeito pedia uma ou duas dezenas de doces daqueles de confeiteiro e, trazendo tudo nos pratinhos de papelão, voltava pra casa degustando, sozinho, os acepipes. A despesa vinha toda anotada na caderneta do fiado e, quando chegava o dia de pagar a padaria, Delsinho jurava, para a mãe, de pés juntos, que não fora ele o guloso.

Durante a caminhada em direção ao rio, o suor dos futuros pescadores, já brotava na pele deles.

– O Zé Laburka tinha uma imobiliária – começou a lorotar o Van Grogue – um antigo vizinho meu alugou um barracão, sabe, um salão grande, ééé, onde instalou uma loja de peças para veículos. O locatário tinha que pagar os alugueres na imobiliária do Laburka que por contrato destinava os valores ao proprietário ééé do imóvel. Acontece, ééé que ao invés de depositar o dinheiro na conta do dono, ele ééé, o velhote, ficava com a grana. Depois de alguns meses o proprietário apareceu na imobiliária pedindo os ééé, valores do aluguel. Meu amigo, foi uma confusão, ééé um bafafá que eu vou te falar, viu? O assunto foi matéria dos jornais das Rádios e do Diário de Tupinambicas das ééé Linhas.

Quando Grogue e Abdo Minnal chegavam perto do rio passaram por uma esquina onde um gordo imenso estava sentado numa cadeira de praia. Grogue não perdeu a oportunidade:

– Ocê tá cobrando pedágio, gordo feioso?

A resposta do obeso foi um aceno com o dedo médio da mão esquerda erguido acima da cabeça acompanhado de um sonoro “vai trabalhar, vagabundo!”

Van e Abdo chegaram a um ponto do rio onde já havia outras pessoas pescando.

Marta Arbustodorto, Francisca Geralda Antonia Roast, também conhecida como Fran G.A. Roast, Miltred Andaime, Tiago Otta e Fabinho Escolástico, estavam todos reunidos e os peixes que pescavam iam para uma cesta comum.

Quando Marta Arbustodorto viu os dois que chegavam avisou em voz baixa:

– Cuidado com o que falam. Esses dois frequentam bares da cidade e, aqui, meus amigos, os bares são os locais preferidos pras fofocas, disseminação das difamações e calúnias.

Apesar da fala da Marta ter sido proferida num tom quase inaudível Van pôde escutar, e foi logo emendando:

– Nessas conferências falam mais mal do que bem das pessoas. Eu sei bem como é. Já participei de muitas delas e depois de tudo, com bornais lotados vão todos pros ranchos de pescaria onde passam os dias embriagados vendo filmes explícitos.

Marta percebeu que o clima poderia esquentar; então convidando todos os que a acompanhavam, a se retirarem, silenciosamente saiu andando de fininho.

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Deixa quieto

Deixa Quieto

Van de Oliveira Grogue entrou no completamente lotado bar do Bafão, naquela quarta-feira, logo pela manhã e, observando que o ambiente bem calmo não demonstrava haver sequer comentário sobre a invasão e o saque de Brasília no dia 08 de janeiro, foi logo dizendo em voz alta para que todos ouvissem:

– Teve nego preso nas dependências da policia federal que, por celular, dizia não saber dos motivos de estar ali detido.  Meu… Os caras aprontaram horrores, invadiram propriedades da república, destruíram o que viram pela frente, foram presos em flagrante delito e ainda não sabiam por que estavam naquela situação?

Os que bebiam cerveja e conversavam interromperam o que faziam, voltaram-se para a porta de entrada e reconhecendo no recém chegado um parceiro de longa data, arrefeceram  qualquer tipo de reação defensiva que pudessem ter. Então Van de Oliveira continuou:

– Será que fizeram tudo aquilo no estado de sonambulismo? Como milhares de pessoas poderiam agir nessa semi-consciência ou inconsciência ao mesmo tempo? Isso me faz lembrar de fato histórico semelhante: O fim do império romano se deu com a somatória de diversos fatores, mas dentre eles a chamada pressão exercida pelos povos que não vivenciavam a cultura Greco-romana foi mais decisiva.

Pigarreando e respirando fundo Grogue, com aquela pose de professor diretor de escola secundária interiorana continuou:

– Realmente em 410 Roma foi invadida e saqueada pelos visigodos um povo, dentre outros, bárbaro que desconhecendo os princípios e cultura vigentes naquela época causaram muitos transtornos e perturbações até quando Santo Isidoro, conhecido como bispo de Sevilha, filho de Severiano e Teodora, irmão mais novo de Leandro, Fiorentina e Severiano, cristianizou um imperador visigodo. Este ato considerado relevante, somado a todos os outros culminaram, em 476, com a deposição de Rômulo Augusto, o ultimo imperador romano. Começava aí a Idade Media.

Parando para respirar e meio chateado por não ter a atenção da maioria dos frequentadores, ele pediu uma cerveja.

Servido por Bafão, Grogue continuou:

– Você sabe que a história de Roma impressionou tanto, mas tanto muitas mentes que na década de 1930, na Itália, o partido fascista representado por Benito Mussolini queria reviver toda aquela glória. As ideias fascistas foram importadas por cidadãos tupinambiquences que queriam fazer aqui o mesmo que acontecera lá na Europa naquele tempo. Mas voltando, ao Santo Izidoro: quando meu irmão Jarbas estava no ginásio, teve um colega de classe também chamado Isidoro, que não era nem um pouco santo, mas torcedor fanático do time italiano Fiorentina, de Florença.  Isidoro fazia questão de sentar-se às costas, na carteira vizinha, do meu irmão Jarbas. O Isidoro perturbava de tal forma o Jarbas que este não tinha como aprender ou assimilar os ensinamentos das professoras, sendo consequentemente reprovado em quase todas as matérias, tendo com isso de abandonar a escola.

A filha do Bafão vendo que Grogue já monopolizava as atenções ligou a TV de 50 polegadas fixada no alto de uma parede.

O assunto da transmissão naquele momento era o esporte.

Então Grogue continuou a resenha:

– Parece que Isidoro tinha um problema de vingança contra um parente seu que ocupara gratuitamente, por vinte anos, um imóvel da família. Isidoro inconformado queria ao menos receber um aluguel qualquer que fosse. Mas como não tinha como satisfazer-se pretendeu vingar-se, até a morte, do seu parente “sem teto” e de toda a família.

Ninguém, naquele momento, no boteco lotado falava nada. O silencio só era quebrado pelo som da TV que relatava fatos da Seleção Brasileira.  

Ingerindo o último gole do seu copo, Grogue seguiu para o fim do tololó:

– Isidoro só percebeu a fria em que entrara ao aceitar perseguir e maldizer Jarbas por tanto tempo e em tantos lugares, quando, uma notícia vinda por telefone cientificava-o que seu pai, semanas antes, internado no hospital, para uma cirurgia de coração falecera.

– Morreu na mesa – dissera aquela voz feminina tenebrosa e amedrontadora.

Revisei o texto em 01/02/23.    

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Doca

Raul Fernando do Amaral Street, mais conhecido como Doca Street, no dia 30 de dezembro de 1976, matou com quatro tiros no rosto e um na nuca a socialite mineira Ângela Diniz.

O crime aconteceu numa casa situada na praia dos Ossos de Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

Raul e Angela viviam juntos havia três meses. Ambos vieram de casamentos desfeitos. Angela Maria Fernandes Diniz casou-se pela primeira vez, em Belo Horizonte, quando tinha 17 anos, com o engenheiro Milton Vilas Boas; o casamento durou nove anos e tiveram três filhos. No desquite (não havia ainda o divórcio) Angela ficaria com imóveis, mas a guarda dos filhos com Milton.

Raul Fernando do Amaral Street deixou a mulher e os filhos, depois de conhecer Ângela em agosto de 1976 num jantar em São Paulo.

O relacionamento de Raul e Angela era tumultuado, perturbado. Ele demonstrava muito ciúmes e tentava impedi-la de agir do jeito que ela queria. Na casa de praia usavam maconha e Vodka.

A mulher nascida em Belo Horizonte, no dia 10 de novembro de 1944 tinha um comportamento bastante liberal, independente, agitado, não aceitava controles e brigava por suas opiniões. Ela envolveu-se em escandalos na imprensa por três vezes.

Na primeira foi acusada pela morte do empregado caseiro, mas o então seu namorado na época Tuca Mendes, que era casado, assumiu a autoria do homicídio, livrando Ângela. Tendo Tuca Mendes se responsabilizando pela autoria do crime, foi julgado e absolvido sob a alegação da legitima defesa da honra.  

Na defesa alegaram que o empregado tentara estuprá-la, razão pela qual fora assassinado.

Na segunda vez que Ângela apareceu nos jornais foi por supostamente ter sequestrado sua filha da casa da avó, levando-a de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro.  Ela foi processada e condenada a seis anos de prisão, mas um recurso à instancia superior livrou-a da condenação.

A terceira manchete que anunciava a prisão de Angela deu-se por causa do flagrante de porte de maconha pela polícia do Rio de Janeiro. Ela alegou em sua defesa que se tornara viciada desde o momento em que presenciara a morte do empregado.

O fato que desencadeou o crime aconteceu depois que Angela se envolveu na praia com a alemã Gabrielle Dayer que se aproximou oferecendo artesanato.

Na beira da piscina Raul e Angela discutiram muito. Ela o mandou embora. Doca pegou algumas coisas, retirando-se; mas depois de ter percorrido alguns quilômetros voltou. Doca, ajoelhando-se diante dela, que estava sentada, ao lado da piscina, pediu que não o abandonasse. Angela disse então que se ele quisesse ficar com ela teria de aceitar seu relacionamento com outros homens e mulheres.  Nesse clima de muita vodka e maconha, durante a discussão violenta, quando ela se levantava para adentrar a casa, ele a matou.  

Doca Street foi julgado duas vezes. O primeiro julgamento aconteceu em Cabo Frio no dia 18 de outubro de 1979. Atuou na defesa o famoso advogado Evandro Lins e Silva.

Raul Street foi condenado à reclusão por dois anos com direito a suspensão da pena.

O resultado desse julgamento provocou imenso movimento popular de protesto, mais intenso ainda por parte das feministas divulgados amplamente pela imprensa.

Em recurso a primeira sentença foi anulada. O segundo julgamento aconteceu em novembro de 1981, tendo atuado na defesa do réu o Dr. Humberto Telles. Raul Street foi condenado a 15 anos de reclusão.

Tendo cumprido a pena, Raul Fernando do Amaral Street morreu no hospital Samaritano em São Paulo, no dia 18 de dezembro de 2020 (sexta-feira), aos 86 anos.

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