Corote

Corote

Delsinho Espiroqueta, o ratão branco, na verdade albino eriçado, fugitivo dos laboratórios de psicologia, naquela manhã de quarta-feira, caminhava ao lado da sua colega favorita de fofoca, a Sombrinha pela rua quase deserta do bairro Vila Dependência.

– Amiga você não vai acreditar, mas meu sobrinho Donizete Pimenta encafifou com uma tal de Arruela que não sei se conseguirei segurar.

– Ele está se engraçando pro lado da moçoila? – inquiriu Sombrinha.

– A pobre não um gato pra puxar pelo rabo, não tem onde cair morta e depois de deixar a vida fácil, onde obteve dois filhos de pais diversos e desconhecidos, agora quer, por que quer encostar a carroça nos costados do tonto. Ela veio, na primeira visita, com um trole. Sabe trole? Eu já falei: “sobrinho, seu imbecil, cuidado; essa daí quer aplicar o golpe do baú. Mas o retardado fez que não entendeu e iniciou um relacionamento crítico que, certamente, lhe dará muito trabalho” resenhou Delsinho.

– Ih, amiga, não presta interceder. Mexer com isso é a mesma coisa que passar na frente do motociclista que trafega pela preferencial quando subitamente vê seu caminho obstruído pela doidona inabilitada, embriagada, falando ao telefone, que lhe atravessa a frente provocando danos materiais e lesões físicas graves – Sombrinha pensava que estava cheia de razão, por isso emendou rapidamente:

– Eu sou chique, bem!

– Sabe Sombrinha, até a Marta Arbustodorto, nossa parente – irmã da minha avó Nair Unhada – falou um monte pro Donizete cabeça de periguete. Ela disse que o envolvimento com essa Arruela poderia ser extremamente prejudicial pra ele e familiares, tipo a mãe dele, minha irmã.  

Enquanto caminhavam pela sargeta, Gelino Embrulhano, irmão do conhecidíssimo filantropo J. F. Embrulhano, passando com a sua caminhoneta D 20 carroceria de madeira, mais velha do que convite pro baile de posse da rainha Elisabete 2, emitindo tufos imensos de fumaça diesel tóxica, botando a cabeça pra fora, no mesmo instante em que premia a buzina, esgoelou:

– Ei cretinas! Vocês não são enxurradas, mas também só se movem pelas sarjetas! Fizeram calçadas pra quê, satânicas?

Osmar Bante que vinha em direção contrária a das amigas, quando se aproximou disse em tom de cochicho:

– Delsinho, será que você poderia pedir pro Monturo Abibol, aquele fedorento concubino da Marta Arbustodorto, que me mandasse uma cesta básica? Estamos numa precisão inimaginável.

– Ih, coiso. Faz tempo que não vejo Monturo e nem a Marta. Mas se eu encontrar com eles dou o recado.

Quando se afastavam Osmar Bante, já distanciado, olhando pra trás aconselhou:

– Acho melhor vocês andarem pela calçada. Tem tantos desmiolados por aí querendo, por prazer, atropelar as pessoas que dá até medo de sair na rua.

Depois que Osmar se afastou Sombrinha disse:

– Ocê sabe que ele tem razão? Eu fiquei sabendo que não faz muito tempo um sujeito que trabalhava numa loja de material de construção ao ser mandado embora ingressou com uma reclamação trabalhista contra o verdugo obsessor dono do comércio. Você pensa que o velhote procurou se defender na justiça do trabalho? Nada disso. Ao invés, mandou atropelar o cara. Quase mataram o sujeito. Cambada de filhos-de-puta!

– Ai, coisa… Cuidado com a boca… – repreendeu Espiroqueta.

As duas pessoas caminharam lentamente em direção ao templo do bairro. Passou por elas um ônibus barulhento emitindo fumaça tóxica. Sombrinha ao ver o veículo disse:

– Não sei por que se indignam tanto com algumas blasfêmias dos ingênuos desavisados. São tantos os comportamentos criminosos desses que deveriam dar exemplo…

Ambos parando diante do templo olharam-se.

– Aqui “a gente pedimos” perdão pelas loucuras, prejuízos materiais e danos à saúde das pessoas que não toleramos e desejamos destruir  – disse Delsinho sentindo na nádega direita um prurido feroz.

– É neguinho, “nóis” num é máfia. Mas fazemos como se fossemos – encerrou Sombrinha o viadinho rebolativo mais molenga e choroso que gata no cio.

Na saída cada um foi prum lado.  Já distanciado, Sombrinha disse em voz alta:

– Ei bicha! Não vai esquecer o meu aniversário hein? Você sabe: no dia 15 de maio completo outra primavera.

– Fique fria gazela. Eu vou te mandar um presentão. Serve um pacote de cigarros, uma cerveja e um corote de pinga?

É claro que servia.  

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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