As Tranças

Sentado sozinho a uma mesa isolada do bar, Van Grogue comia pastel com sorvete.
– Ficou maluco? Ô Grogue, que mistura é essa? – Indagou irônico o Adan Molly que chegava bem entusiasmado ao botequim.
Van levantou a cabeça e, envergonhado respondeu:
– Você também vai ralhar comigo?
Molly voltou-se para o Maçarico que, alisando o tampo do balcão com um guardanapo, e apontando o Grogue com o queixo, girou o indicador da mão direita na altura da fronte. Quando Molly se aproximou o dono do boteco sussurrou-lhe:
– Depois que disseram que o bilau dele parece sorvete, que quando esquenta amolece, ele ficou assim, meio jururu.
– Que mico hein Maça? – gracejou o Adan.
– Uma verdadeira estilingada no bom-senso.
Adan Molly pegou a garrafa de cerveja e o copo que lhe dera o Maçarico e caminhou em direção à mesa do Grogue perturbado.
– É verdade que te internaram num manicômio Van?
– Hã hã. – respondeu, envergonhadíssimo, o mais famoso pingueiro de Tupinambicas das Linhas. Então ele continuou:
– Tinha um enfermeiro lá dizendo que ia injetar gás na minha cabeça só pra tirar um raio X. É mole? Ele era malvado. Amarrava-me na cama e punha um soro no meu braço que me fazia sofrer muito.
– Mas por que ele faria mal pra você? – Quis saber o Adan Molly.
– Vingança. Eu fiquei devendo alguns meses de aluguel para outro enfermeiro que era primo dele.
– Nossa! Impressionante. Como é que você descobriu isso tudo?
– Sabe aquela borracha que se usa pra amarrar o braço quando se tira a pressão da pessoa? – continuou o Van choroso.
– A tripa de mico?
– É essa mesmo. Então… O cara esticava e soltava a borracha contra os meus braços e as minhas costas; era cada borrachada que eu vou te contar; doía tanto que eu tinha de sair correndo.
– Mas quem era o enfermeiro? – perguntou Adan Molly bebendo com satisfação a cerveja geladíssima.
– O que me agrediu eu não conhecia. Mas aquele de quem aluguei a casa tinha sido condenado por homicídio. O cara ficou preso durante dois anos. Ele fez um aborto numa empregada doméstica que morreu.
– Mas por que você alugou a casa justamente do assassino? – indagou Adan Mollly.
– Porque eu não sabia.
– E essa história do bilau?
– É brincadeira. Sou macho pra caramba.
– Será?
Depois que tomou o sorvete, comeu o pastel e ouviu do Maçarico a resposta negativa, para a sua indagação sobre a existência de peixe frito pra vender, Van pagou a conta e saiu do bar.
Ele permaneceu parado no ponto de ônibus por pouco tempo. Grogue entrou no coletivo, pagou a passagem e preguntou ao cobrador se aquele carro passaria defronte ao zoológico.
– Pergunte para o motorista. – respondeu com rudeza, o cobrador.
Grogue então, por causa do ruído do motor, falando em voz alta ao motorista, quis saber se ele pararia perto de um ponto, próximo ao zoológico.
Van desceu e andando duas centenas de metros chegou ao jardim zoológico onde viu a águia, o leão, e o burro.
Depois, caminhando de volta ao ponto de ônibus, viu de longe, que já havia um parado ali.
Ao entrar no coletivo ele notou um pedaço de papelão deixado sobre o primeiro degrau. Não muito distante o motorista falava ao celular:
– Gritou sim. Gritou feio com um colega nosso.
Van desconfiou que aquilo não deixava de ser mais uma trança que se formava à sua passagem.

28/08/2012

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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