Acesso de Tosse

Dina Mitt trajando uma camiseta amarela, bermuda azul e chinelos verdes, entrou no bar do Maçarico onde Van Grogue, sentado à mesa de canto, bebia a sua segunda cerveja.
– Você não é vassoura, mas também vive encostado, hein colega? – disse a mulher depositando sobre o balcão o maço de cigarros e o isqueiro verde.
Pery Kitto, Edgar D. Nall, Billy Rubina e Donizete Pimenta, que também degustavam as cervejas geladíssimas, gargalharam à solta.
– É preciso ter alguma altura pra falar comigo. Altura intelectual, espiritual e abastança material. Você é muito baixa. Assim não dá. Assim não pode. – respondeu Grogue ingerindo um gole da bebida.
– Sou baixa, mas tenho meus poderes. Não brinque comigo. Gosto de botar ladrões, principalmente de herança, na cadeia ou no sanatório. Se não pego o pai, pego o filho.
Maçarico, percebendo que poderia nascer ali uma discussão prejudicial aos negócios, tratou logo de esfriar os ânimos.
– Dona Dina a senhora sua mãe melhorou? Ela estava com o diabetes alto, não é isso?
– Melhorou sim Maçarico. Eu fui ontem na agência do INPS e marquei uma consulta. O doutor atendeu e ela já está medicada.
– Vaso ruim não quebra. – Resmungou Van Grogue lá do fundo.
– Você é filha única. Sua mãe, já bem idosa, é dependente. E você não se preocupa com a própria saúde, frequentando os bares da cidade? – Quis saber Maçarico tomado por uma estranha onda de compaixão.
– Que nada, minha mãe é forte pra caramba. Ela manda arrancar os dentes sem anestesia. Me dê uma cerveja.
Dina acendeu um cigarro, pegou a garrafa, o copo e caminhou em direção à mesa vizinha a de Grogue.
– É verdade que você foi professor Van? – perguntou ela ao sentar-se.
Van percebendo que a mulher começaria outra das suas sessões de menosprezo pensou que se falasse algo enobrecedor da sua pessoa, talvez amenizasse a gozação daquela figura chata.
– Hã-hã. Fui professor sim.
– Você dava aula do quê? – quis saber a inquiridora.
Sentindo a angustia de quem se vê acuado Van soltou:
– De português.
– De português? Eu não acredito!! – Disparou Dina Mitt com uma sonora gargalhada.
– É verdade. – garantiu Van Grogue, meio sem jeito.
– Então conjugue pra mim o verbo ver. Se acertar eu pago as cervejas que você bebeu hoje. – Desafiou Dina.
Apesar de estar já embriagado, Van não deixou de sentir um desconforto terrível, com a provocação daquela maldosa.
– Eu olho, tu olhas, ele olha. Nós olhamos, vos olhais, eles olham.
Maçarico, que bebia um café, engasgou e teve um acesso de tosse. O pessoal todo, em silêncio, voltou-se para Grogue olhando-o fixamente.
– Está vendo com são as coisas? O cara não sabe nada e ainda ganhou do estado pra ensinar tudo errado. – Concluiu Dina.
– Mas eu acertei a resposta. Você me deve as cervejas. Ver e olhar são a mesma coisa. – Argumentou Van.
Maçarico, mais uma vez, percebeu que iniciaria ali uma daquelas polêmicas tremendas, que poderiam terminar em ações extremamente prejudiciais, à integridade dos objetos do botequim.
– Para tudo. Vamos fazer uma enquete aqui e agora. Quem acha que a Dina Mitt deve pagar as contas do Grogue levanta a mão.
Todos os presentes olharam-se espantados com a atitude inusitada do proprietário do estabelecimento. Mas, falando muito mais alto, “o espírito de corpo” fez com que a desafiante Dina Mitt pagasse, mais uma vez e sem discussão, as despesas do desafiado.
24/09/12

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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