Neto

Como você pode saber quem é seu avô, se não conhece nem o seu pai?
A pluralidade dos parceiros sexuais realmente gera esse tipo de dúvida.
A não ser por uma pesquisa bem feita do DNA, o cidadão não teria nem mesmo a vaga noção de quem seriam os seus verdadeiros ascendentes.
Isso implica em direito à pensão alimentícia e à herança. Você sabe: a mãe é sempre certa, mas o pai… Bem, dependendo do estilo de vida da progenitora ele pode ficar desconhecido para todo o sempre.
Filhos diversos, de pais dessemelhantes, porém da mesma mãe, seriam irmãos unilaterais.
E quando o sujeito não tem muita certeza sobre suas raízes pode ter atitudes vacilantes. Por exemplo: o camarada tem “alma de poeta” e se mete nos negócios que envolvem muitas pessoas.
Não é raro, em certas localidades, atribuir o adjetivo “poeta” ao sujeito folgado, sem muita disposição para o rame-rame do dia a dia.
Então lá se vai o romântico enamorado delirante a constituir empresa comercial em cujo futuro terá a delapidação do patrimônio da família.
Nessa aventura romântica/comercial o camaradinha pode perder a família, ter os filhos dispersos, acumular dívidas impagáveis e ter de se retirar para a periferia da cidade.
Nessas ocasiões nem mesmo as lembranças daqueles velhos saraus onde flautas, bandolins, banjos, pandeiros e saxofones vibravam, metódica e chorosamente, ao entardecer de certos dias da semana, poriam fim à melancolia grudenta.
Na lembrança do passado distante haveria a certeza de que o desconforto dos periquitos aprisionados nas gaiolas douradas, não convenceria os vetustos senhores que papagaios gostam mesmo de, ao entardecer, dormir tranquilamente.
Na mente adoentada surgiria, em consequência, uma espécie de “saudade” dolorida que desaguaria na adulação da base territorial.
Lisonjas compensatórias reiteradas, e cansativas, comporiam então as ladainhas do arruinado poeta/comerciante das famosas e eficientes máquinas de escrever.
E se a sorte não lhe foi tão bondosa no curso da vida, tão sofrida, por quê não embarreirar o caminho dos pósteros?
Como pode, meu amigo, o neto saber quem é o seu avô, se não conhece o próprio pai?

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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