Cesário Motta

Quando eu era adolescente, ali por volta de 1964, morávamos ainda à Rua Benjamin Constant, quase esquina com a Ipiranga.
Tínhamos uma vizinha que era mantida diuturnamente presa no seu quarto, pelo próprio irmão.
A mulher, de meia idade, não se comunicava a não ser por grunhidos frequentes e, de vez em quando, por algumas poucas palavras.
O irmão dela conhecido como Salvador resolveu fazer na garagem da casa, uma lojazinha onde pretendia comercializar tecidos, linhas, agulhas, dedais, alfinetes e outras coisas relacionadas com as roupas.
Numa tarde quente quando eu estava sentado à porta da casa, depois do café da tarde, a calmaria do trecho foi revirada quando Angelina, a vizinha, irrompeu rua afora numa corrida doida, tendo ao seu encalço o irmão que gritava desesperadamente para que ela parasse.
O fato não teria sido tão incomum se a moça, trajando um pijama, descabelada, expelindo saliva pela boca e narinas, procurava também aos berros, fugir do opressor, equilibrando perigosamente um penico lotado nas mãos.
Cerceada e capturada no meio da rua a mulher foi conduzida, enquanto protestava e ameaçava atingir o captor com os excrementos, de volta pra casa.
Meia hora depois o comerciante, já defronte à sua loja, atendia um freguês que desejava comprar um cristal de quartzo.
– Olha eu tenho… Nossa, que sorte… Eu tenho este aqui. Está quebradinho numa das extremidades, mas é bem bacana. Mas por que o senhor quer isso? – quis saber Salvador.
– Ah, é porque eu gosto – informou o freguês.
O comprador pegou o objeto, pagou o preço e depois, quando saía da loja improvisada, perguntou:
– E aquela moça que vive gritando, babando e correndo pela rua? É sua esposa?
Bastante envergonhado Salvador respondeu:
– Não. Ela é minha irmã. Ela não fala, vive amuada e precisa tomar um remédio receitado pelo médico. Quando não usa a medicação tem esses piripaques, essas doideiras, que assustam a vizinhança. Ela gosta de bater portas, portões e faz cocô no chão do banheiro. Não posso ficar sossegado que de repente tenho que sair correndo pra acudir. Estou pensando em pedir pra umas mocinhas vizinhas tomarem conta da loja pra mim.
– Minha nossa!
O comerciante Salvador continuou:
– Ontem fui à farmácia, aquela que fica na Rua Governador, vizinha do bar do japonês, comprar o Stelazine, o tal remédio que ela toma. Mas não tinha. O senhor viu a turbulência, a desordem?
– E o Cezário Motta, aquele hospital pra lelé, o senhor não conhece? Fala com o Emílio que ele dá um jeitinho pro senhor.
– Emílio Reinaldo Adamoli, o vereador? – indagou curioso o Salvador.
– Não, bem. O Emílio Petrim. Ele trabalha lá.
– Vou ver se consigo – concluiu o carequíssimo Salvador, esperançoso de que o trancafiamento da irmã no sanatório pudesse dar a ele, e aos vizinhos, alguma paz.

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
Esse post foi publicado em Crônicas e marcado , , , , , . Guardar link permanente.

Deixe um comentário