Cavaqueadores

Cavaqueadores

Osmar Mitta entrou, naquela manhã de sexta-feira, no boteco A Tijolada, legítima propriedade do irremovível, ancoradíssimo Bafão e, vendo de longe, o aspecto inusitado daquela figura esguia, branquela, de longuíssima barba branca - também conhecido como "o messias da caipirada" ingerindo um copázio de caipirinha, conversando com Luisa Fernanda - a mocreia contabilista arruinada - que tinha ao seu lado a filha mocinha Laissa Magdanta, foi logo dizendo:
- Testemunhei agora mesmo ali na rodoviária um "barraco" inusitado digno de ser analisado por sociólogos, psicanalistas, psicólogos e psiquiatras. Por políticos não. A maioria é retardada e só se conduz por onde vai a boiada.
Luisa Fernanda que não esperava a presença de Mitta assustou-se com o inopino da abordagem, mas ingerindo um gole generoso da sua bebida pode perceber que os tremores das mãos induzidos pelas emoções do choque, cessaram assim como que num passe de mágica daquele prefeito, que depois de tanto tempo no cargo, considerava a cidade, e seu povo, propriedades suas.
Luisa Fernanda então viu o pernalta de longas barbas brancas, bebedor de caipirinhas, que lhe falava, se afastar e, olhando rapidamente para a filha, como se dissesse "cuidado, preste atenção. Quando esse Mitta fala muita gente aprende".
A mocinha que se deliciava com uma coca-cola brecou o riso quando então pode ouvir
o que dizia o sábio profeta Osmar:
- Um amontoado de patrícios cercou um descendente de portugueses e fizeram-no ouvir, por longuíssimo tempo, xingamentos e comentários sobre sua saúde mental, sobre o comportamento materno provavelmente aprendido nas casas de tolerância da cidade; sobre as atitudes do pai supostamente aneladas aos Artigos 155 e 171 do Código Penal, melindrando tanto a vitima que quando ela, usando uma única palavra, expôs sua contrariedade e indignação, a meliancia quase desconjuntou-se toda numa irada, mas ressentida e rançosa reação contida.
Luisa Fernanda, temerosa, segurando a mãozinha de Laissa perguntou:
- O que disse o acuado para se defender?
Osmar Mitta continuou: 
- Disse um termo que, pelo correr dos rios, pelos andares das carruagens será apagado dos dicionários da língua portuguesa.
Remexendo-se na cadeira, importunada por uma ansiedade trotante, daqueles trotes que só se vê nas esteiras das academias de ginástica, Luisa perguntou quase gritando:
- O que foi que falou, em sua defesa, o oprimido, criatura cruel? Fale agora, sem mancadas, bicho ruim do inferno!
- Macaco! - concluiu Osmar Mitta. E depois continuando:
- Pra se defender de tantas ofensas, suportadas por tanto tempo, o cidadão gritou macaco! Não que ele estivesse invocando o King Kong, Ele nem pensou nisso. Tá vendo no que deu? Por ter mais força do que "filho da puta", "lazarento", "morfético" e "louco", macaco pode virar termo proibido e ser extinto da língua portuguesa. Os políticos populistas, objetivando votos e reeleições, já labutam em cima da matéria.
- Proibido o termo não é, mas faz parte daquelas palavras que podem caracterizar, de acordo com o contexto em que são usadas, podem caracterizar o crime de injúria previsto no Código Penal - disse Van de Oliveira Grogue soltando um sonoro e escandaloso arroto, quando passava pelos Cavaqueadores.

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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