A Boca Babenta

Rodoviária 004O ônibus interestadual entrou nos limites da cidade do Rio de Janeiro durante a madrugada de sábado. Fazia frio dentro do veículo, mais por causa da exigência das janelas fechadas, que requer o ar-condicionado ligado incessantemente, do que pela temperatura natural do território.

A quase 10 minutos antes da parada final, alguns passageiros já se preparavam para o desembarque, guardando cobertores nas mochilas e malas.

As luzes da cidade passavam céleres e, às vezes, uma desaceleração abrupta, ante um semáforo ou outro, dava a impressão de que a pressa do motorista faria com que a viagem, de tantas e tantas horas seguidas, não terminaria muito bem.

Eu já previa dificuldades, durante a minha estadia ali no Rio, por não ter planejado absolutamente nada daquele ato maluco de sair bestamente assim, de São Paulo, no impulso, com a cara e a coragem.

Os passageiros formavam uma fila no corredor, aguardando a vez para descer, quando o ônibus parou finalmente na rodoviária Novo Rio.

Ao colocar a mochila nas costas e olhar através de uma das janelas, vi um sujeito mal-encarado observando o pessoal que descia.

A figura levava frequentemente a mão à boca e aspirava com força o cigarro fumacento. Notei que ele vestia uma camiseta azul com a inscrição 1905 em amarelo, na altura do peito.

Eu não tinha nada planejado e não sabia o que fazer. Tomar um taxi? Sim mas para onde? Uma cama bem macia de hotel resolveria os mal-estares provocados pelo desconforto da viagem. Mas qual?

Eu vacilava enquanto os demais passageiros dispersavam seguindo seus destinos. Não tenho certeza, mas acho que o cara percebeu minha hesitação e aproximou-se. Por ser muito mais alto do que eu, o fulano olhou-me ostensiva e ameaçadoramente de cima para baixo.

– Você tem algum problema comigo? – perguntou o malcheiroso com sotaque castelhano, soltando, em seguida, uma baforada de cigarro no meu rosto.

Eu fiquei espantadíssimo com a cena, mas considerei que o estranho poderia não estar no seu juízo perfeito e, por isso mesmo, num ato de doideira, praticaria alguma violência.

– Eu não. Eu nem te conheço. Como é que teria algum problema com você?- respondi-lhe.

– Eu tenho seis filhos pra sustentar – disse o sujeito como se tal fato pudesse justificar qualquer ato agressivo da parte dele.

– Sim, tudo bem. Mas o que é que eu tenho com isso? Você não pode sair por ai chutando as pessoas por causa dos seus desejos.

– Você está na minha frente, no meu caminho, e eu quero que você suma daqui – afirmou raivosamente o gringo.

Bom, eu fiquei em estado de alerta e me preparava para reagir ou cair fora o mais rápido possível, quando o maluco, depois de se afastar alguns metros, voltou correndo, lançando-se com os dois pés no meu peito.

Caído no chão eu ainda pude ver quando o camarada se aproximou preparando outra pancada.

Eu que já esperava outros golpes buscava, no bolso da calça, alguma coisa com que pudesse me defender, quando alguém acertou violentamente a cabeça do valentão. Atingido, o agressor caiu desmaiado, com a boca babenta.

Para a minha surpresa vi que a minha salvação viera por meio de uma garota vigorosa, de esvoaçantes cabelos castanhos com mechas brancas.

A menina trajava short preto, camiseta roxa e coturnos. Quando ela estendeu a mão, para me ajudar a levantar, vi no seu dedo anelar direito, um anel enorme com a imagem de um gavião.

– Seja bem vindo ao Rio de Janeiro – disse-me a menina ao tomar o celular chamando um taxi.

É meu amigo… Quem negaria que a vida continua? Percebi que guardaria eternamente aquela menina no meu coração.

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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