Fofura financeira

Nos Estados Unidos o racismo é muito mais intenso e dramático que no Brasil. Se lá a intolerância chega às raias dos crimes de assassinato, aqui não chegamos a tanto, mas isso não significa que a tal diferença não seja motivo de muitos desgastes.
Considero a prevenção contra os pobres mais comum do que a rejeição por motivo da cor da pele.
Então os termos “vagabundo”, “braço curto”, dentre outros, são usados nas manifestações condenatórias que bloqueariam as possíveis intenções de auxílios espirituais e materiais.
Percebo que essas disposições negativas de ânimo, frente aos carentes, partem mais da total ignorância do que acontece nas esferas mais amplas como, por exemplo, dos fatos relacionados à política e à economia nacional.
Então os conceitos rejeitativos originam de concepções incapazes de relacionar os fatos da vida do país com a miséria das pessoas que supostamente haveriam de ser atendidas.
Acresça-se a essas manifestações hostis contra os pobres o machismo de quem, nas reuniões filantrópicas, aparece mais para “descarregar” suas tensões neuróticas do que vestido com os princípios cristãos da solidariedade e compaixão.
Ou seja, as reuniões são mais para alívio das loucuras do dia a dia do que praticamente beneficiar alguém desprotegido pela sorte.
O ser pobre, para algumas pessoas, é tão humilhante que há quem se esfalfe para botar na garagem um carro vistoso, característica dos que teriam certa gordura financeira.
Mas a miséria mesmo, a autêntica, mais grave do que a material, é a espiritual. É a carência de noção que faz as almas lesadas, perdidas, a matarem o cachorro do vizinho, destruir as árvores ornamentais, depredar as casas desocupadas, ameaçar a velhinhas, abalar as estruturas do quarteirão, e difamar a torto e a direito.
Você percebe o espírito de certo lugar, o clima dominante, as ideias prevalecentes, observando os eleitos para a câmara municipal. Há quem diga serem elas – as câmaras legislativas – mais locais onde o povo pode fazer a caridade sustentando os estropiados ali reunidos do que em qualquer outro possível albergue existente na urbe.
As sinecuras institucionais políticas, ou seja, os cargos eletivos do executivo e legislativo têm obrigações mais brandas e rendimentos mais polpudos, do que o magistério, a gerência dos empreendimentos industriais, comerciais ou recreativos.
Portanto é mais lucrativo reunir-se uma ou duas vezes por semana, na câmara municipal, em troca do que o povo paga, do que enervar-se com as atividades do comércio e da indústria.
O problema maior é ser eleito. Mas para quem tem certa fofura financeira, quase nada é impossível. Se o empreiteiro tem a certeza de que seu candidato, quando eleito, devolverá com juros e correção monetária, o capital que pode empregar em determinada campanha, ele certamente o empregará.
Se um pedófilo usava balas para corromper as crianças e se depois de pego prometeu ao delegado de polícia, ao promotor de justiça, ao juiz de direito, ao seu pai, à mãe e ao dirigente religioso que não mais cometeria tais deslizes, garantindo que construiria até mesmo uma fábrica de balas e caramelos como prova da sua regeneração, ele não estaria tão errado, mas teria mais trabalho do que se se tornasse o prefeito ou vereador da cidade.
E se tais promessas e realizações não fossem suficientes para lhe dissipar as culpas por seus crimes, a invenção de um hospital psiquiátrico não seria nada mal. Melhor ainda se, depois de passados todos os tormentos, pudesse a família remanescente vender os imóveis que sobraram para a prefeitura com os preços devida e justamente superavaliados.
Quem nasceu pé de cana não chega nunca a ser samambaia. Os loucos continuarão a ser sempre loucos, não importa se tenham ou não automóveis vistosos, se vivam ou não espalhados pelas calçadas, bebendo pinga, cerveja e fazendo churrasco.
Apesar de tudo, os loucos do quarteirão merecem o nosso respeito.

Sobre Fernando Zocca

Fernando Antônio Barbosa Zocca é brasileiro, casado, advogado e blogueiro, publica seus textos na Internet há mais de 10 anos tendo iniciado no site usinadeletras.com.br. Foi funcionário da prefeitura municipal de Piracicaba por seis anos. Advogou na comarca de Piracicaba por mais de 20 anos e hoje pratica a caminhada, o ciclismo e a corrida. Em 1982 publicou seu primeiro romance Rosas para Ana.
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